Desejo é vontade de consumir. Absorver, devorar, ingerir e digerir — aniquilar. O desejo não precisa ser instigado por nada mais do que a presença da alteridade. Essa presença é desde sempre uma afronta e uma humilhação. O desejo é o ímpeto de vingar a afronta e evitar a humilhação. É uma compulsão a preencher a lacuna que separa da alteridade, na medida em que esta acena e repele, em que seduz com a promessa do inexplorado e irrita por sua obstinada e evasiva diferença. O desejo é um impulso que incita a despir a alteridade dessa diferença; portanto, a desempoderá-la [disempower]. Provar, explorar, tornar familiar e domesticar. Disso a alteridade emergiria com o ferrão da tentação arrancado e partido — quer dizer, se sobrevivesse ao tratamento. Mas são grandes as chances de que, nesse processo, suas sobras indigestas caiam do reino dos produtos de consumo para o dos refugos.
BAUMAN, Zygmunt. AMOR LÍQUIDO: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004. Pág. 23-25